quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

‘A corrupção é o maior problema do sistema penitenciário’, diz ministro da Justiça


BRASÍLIA — O ministro da Justiça, Alexandre de Mores, diz em entrevista ao GLOBO que todas as autoridades, incluindo promotores e juízes, devem passar por equipamentos de segurança em presídios. Para ele, a corrupção é o maior problema no sistema penitenciário. Para não abrir uma “janela de oportunidade”, ele determinou que os bloqueadores de celular atinjam até o setor administrativo das prisões.
O senhor acha que os visitantes têm condição de entrar com armas e celulares ou isso se deve mais aos funcionários dos presídios?
Há uma crise crônica de mais de cem anos e uma crise aguda no sistema penitenciário que, de tempos em tempos, ocorre num estado ou outro, porque nos últimos dez anos cresceu o número de presos sem que houvesse investimento. Temos uma série de fatores que levam a isso. Mas eu não erraria em afirmar que hoje o maior problema do sistema penitenciário na questão do crime organizado é a corrupção. Então, tem que construir presídio, mas só presídio não resolve. Vamos aparelhar os presídios com “scanner”, bloqueador de celular, raio-x. Só que temos que capacitar agentes penitenciários, e isso está no plano de segurança, e fazer um combate eficaz à corrupção. O que adianta ter bloqueador de celular e “scanner” se, na hora de passar no equipamento, houver corrupção?
Como exigir que funcionários e demais pessoas que transitam nos presídios se submetam a equipamentos?
Há protocolos nos estados que preveem isso. Agora, você tem que ter diretor e chefes de área fiscalizando isso. Mas há problemas maiores como o de, às vezes, liberarem visitas sem fazer nenhum tipo de vistoria. Se (o funcionário) libera quatro ou cinco que entram com armas e celulares, já preparou uma rebelião. Se houver suspeita de corrupção, tem que afastar e investigar.
O senhor defende que todas as pessoas, incluindo advogados, juízes e promotores, passem pelos equipamentos ao entrar nos presídios?
Todas. O equipamento não é algo, principalmente o “scanner” que vamos colocar, que fira a dignidade da pessoa. O que custa passar no “scanner”? Todas essas autoridades quando viajam não têm que passar pelo raio-x do aeroporto? Quando vão para o exterior, não têm que passar naquele (equipamento) que põem a mão? Alguém se nega? Se se negar, não entra no país. Alguns diretores pedem para deixar desbloqueado o setor da administração. Fica mais caro, porque tem que fazer um desbloqueio do bloqueio. E pode vir a gerar a corrupção. Enquanto está trabalhando, ninguém tem que falar ao celular, deve falar no telefone fixo. Então o bloqueio vai ser integral.
O senhor conhece casos concretos em que isso tenha ocorrido?
Não queremos fulanizar. Você não pode afirmar que quem pede assim (desbloqueio na área administrativa) é corrupto. Mas gera uma possibilidade, uma janela de oportunidade.
A maior parte dos presídios não tem “scanner” corporal e alguns nem contam com raio-x. Autoridades devem passar pela mesma revista que qualquer outra pessoa nesses locais?
A revista pessoal à autoridade que atua lá não acho necessária. Agora, isso logo não será problema, porque vamos liberar no mínimo dois “scanners” para todas as penitenciárias. Na sequência, vamos para os centros de detenção provisórias e cadeias públicas, onde ficam os provisórios. E raio-x também.
O senhor, que classificou recentemente como mera bravata alguns acontecimentos atribuídos a facções, acha que elas foram subestimadas?
Não temos que subestimar nada na criminalidade, mas não podemos superestimar. Temos que tratar como elas são. Temos que ver que toda a crise crônica e aguda não é decorrente de um único fator: facções. Não é o único que levou a essas questões em Manaus e Roraima.
Confere a informação de que o Primeiro Comando da Capital e o Comando Vermelho atuam para se tornar um cartel internacional do tráfico?
Não comento informação de inteligência. Até porque a informação de inteligência se analisa e se atua.
Como o senhor avalia a prática dos estados de separar presos nas cadeias por facções?
O ideal é separar por gravidade de crime, periculosidade, idade. Os estados adotam outros critérios em virtude da superlotação. Mas o ideal às vezes é difícil. Queremos juntos, com o plano de segurança, construir a possibilidade de separar adequadamente. Nas quase 30 mil vagas que serão possíveis criar com o dinheiro repassado no fim do ano (R$ 1,2 bilhão do Fundo Penitenciário Nacional), os estados terão de fazer essa separação que a Constituição determina. Repito isto cansativamente: o Brasil prende muito e mal. Não é culpa da Justiça, do promotor, da polícia. Mesmo crimes sem violência ou grave ameaça vão para a penitenciária. Porque não investir mais em medidas restritivas, tornozeleira, penas alternativas? Ano após ano misturamos os presos e levamos um exército para a criminalidade organizada.
Mas as investigações no Brasil não identificam nem 10% dos autores de homicídio no Brasil. Como passar a prender melhor?
Essa é a lógica que montamos no plano, mapeando os casos, levantando os dados. Vamos fazer um sistema de prestação de serviços à comunidade que seja fiscalizado. E o plano prevê um cardápio de opções para que o juiz, ao conceder a liberdade provisória, possa fiscalizar. Dessa forma, tiramos quem não precisa estar no sistema e aí vai sobrar vagas para os crimes mais graves. A lógica do sistema penitenciário e criminal brasileiro precisa ser alterada. Vamos focar nos homicidas, latrocidas, roubadores. Porque é isso que gera a criminalidade grave. E agir de forma mais inteligente nos crimes sem violência e grave ameaça, principalmente os patrimoniais.
E se a pessoa incide no furto e outros crimes sem violência, deve continuar sendo submetida a medidas alternativas à pena privativa?
No caso do tráfico, mesmo de pequena quantidade, se for reincidente, a lei considera crime hediondo. Não há discricionariedade para nenhuma interpretação. No caso do crime sem violência ou grave ameaça, é uma questão de o juiz analisar. Não acho que o caminho deva ser obrigatoriamente a prisão. Tenho convicção de que (com medidas alternativas) diminuiríamos a reincidência
O ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo disse que preferia morrer a ir para uma prisão brasileira. Também pensa assim?
Eu prefiro não cometer nenhum crime, como fiz minha vida toda, para não ter que ir para a prisão.
Deputados da Frente Parlamentar da Segurança Pública pediram ao presidente Temer a criação do Ministério da Segurança Pública, que seria desmembrado do Ministério da Justiça. Qual a sua posição?
Eu estava na reunião. A questão de colocar em pauta nacional a segurança é importantíssima. Toda a motivação para a criação do ministério, que vem de anos e anos, é porque o Ministério da Justiça nunca atuou na questão da segurança, nunca se colocou para coordenar, integrar. Ficava em segundo plano, o que não existe mais. A área de segurança, que engloba toda a questão penitenciária, é a prioridade absoluta desde que assumi. Essa pauta foi construída, integrando informações da Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Polícias Militares, Polícias Civis, Depen (Departamento Penitenciário Nacional). Hoje, não há, a meu ver, necessidade da criação.
E o presidente expressou a posição dele?
O presidente colocou exatamente isso. O que por anos e anos foi um descaso do Ministério Justiça com segurança hoje vem sendo feito. O que ele acha importante é avançar mais nisso, aplicar rapidamente os recursos. Agora a discussão da segurança sempre é importantíssima.
As autoridades estaduais são coniventes? O secretário de Segurança Pública do Rio Grande do Norte, Wallber Virgolino, disse ao GLOBO que há um acordo tácito entre direções de presídios, secretários, autoridades estaduais com pressos para que o caldo não entorne. Os detentos fazem festa, falam ao celular, fazem churrasco, levam mulheres.
Levar celular, bebida, entrar drogas, festas, isso é crime. Quem é conivente com isso está cometendo crime e deve ser afastado. Mas as autoridades estaduais atuam numa dificuldade muito grande para combater isso.
O senhor anunciou esta semana a força-tarefa de defensores públicos de todo o país para verificar os processos de presos que podem ser soltos, começando por Manaus. É parecido ao que foi feito pelo mutirão carcerário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Trouxe alívio, mas hoje a superlotação é maior. Há uma morosidade do Judiciário? O Judiciário precisa ser mais ágil?
Todas as instituições têm suas dificuldades. Por que os estados não conseguiram ter 100% de audiências de custódias (em que a pessoa presa pela polícia é levada ao juiz para ele avaliar se há necessidade de mantê-la atras das grades) ainda? Você dobra o número de custódias, mas com o mesmo número de juízes, promotores, defensores, funcionários. Você tem que analisar a questão de recursos humanos. Quem me entregou um ofício em Manaus foi a Defensoria Pública do Amazonas. A ideia de criar uma força nacional de defensores. Tinha sido feito já em Pedrinhas (presídio no Maranhão onde houve mortes de presos em 2013). Eu achei a ideia ótima, mas (precisar ocorrer) de forma permanente. Obviamente, permanente até não haver mais necessidade. Não seria mais fácil que cada estado contratasse mais juízes, promotores e defensores? Na crise econômica que o país vive, os estados estão no limite financeiro. Então por isso que essa é uma medida que tem uma chance muito grande de dar certo.
Os governos anteriores, desde Fernando Henrique (1995-2002), fizeram planos de segurança. Todos continham como pilar principal a integração com os estados. O que a gente viu na prática nesses planos foi uma dificuldade muito grande de se firmar convênios, seja pela burocracia, pela falta de troca de informações. O novo plano vai conseguir ultrapassar essas barreiras?
O plano não tem absolutamente nada a ver com os planos anteriores. Eram cartas de intenções. O plano que nós construímos foi junto com os estados. Isso nunca foi feito. Basta perguntar para os secretários (de Segurança Pública). É um plano operacional, com toda a parte estratégica montada, e com todo o indicativo tático. Os planos anteriores ficavam nos objetivos e intenções. Plano anterior dizia: reduzir homicídios. Nós já pegamos todas as capitais, mapeamos todos os homicídios nas capitais, já temos no banco de dados, cruzamos as informações, levantamos todos os mandados de prisão de homicidas, latrocidas, agressores de mulher. Já verificamos onde estão as câmeras, onde vamos instalar.
A privatização de presídios é um possível caminho para a crise no setor?
São vários caminhos. Com o dinheiro que foi repassado aos estados, podem ser criadas de 25 mil a 30 mil vagas. Agora, isso tem que ser criado. Os últimos nove presídios entregues em convênios com os governos estaduais, do momento da assinatura do convênio à entrega da chave, levaram em média seis meses e meio. Há impugnação quando escolhe o município. Há impugnação porque não quer naquele terreno. Daí impugnação na licitação. O nosso desafio é pegar um modelo que construa rápido. O modelo que a legislação permite de contratação diferenciada, igual foi na Copa do Mundo, que se estendeu em 2015 para o sistema penitenciário. Ainda não foi usado. Há uma outra lei que autoriza realizar um chamamento para que se faça uma espécie de leasing, que seria uma espécie de parceria público-privada só para a construção. Quem fizer o menor aluguel ganha a licitação. Por tantos anos vai pagando (às empresas) e no final reverte para o estado.
O que já foi feito quanto a isso?
Estamos analisando essas possibilidades para evitar que esse dinheiro não se perca na burocracia. Há empresas que constroem em oito, dez meses. Estamos analisando isso. Vamos ter reunião na terça-feira com todos os secretários, para ver se a gente consegue até o fim do ano inaugurar essas penitenciárias para ter essas vagas. Agora, isso não depende só de boa vontade da gente, porque pode entrar alguém com uma impugnação, uma ação.
Houve a liberação de dinheiro para construção de presídios nos estados. Uma vez erguidos, haverá repasse para mantê-los?
A manutenção é do próprio estado. Até porque não podemos pagar servidores públicos estaduais.
São Paulo tem a maior população carcerária brasileira: 36% dos presos no país. O senhor inclusive já foi secretário de Segurança Pública do estado. São Paulo errou nessa política de alto encarceramento?
Não. O estado de São Paulo, nos últimos 20 anos, é o único que teve reduções gigantescas nas taxas de criminalidade. Só se compara, se pegar o crime principal, que é homicídio, a Nova York e Bogotá. São Paulo não adotou o encarceramento pelo encarceramento. Adotou uma série de mecanismos para encarcerar quem precisava ser encarcerado. E investiu muito em presídios. Agora São Paulo segue o sistema brasileiro. Nós precisamos mudar a cultura geral. Acho que este é um bom momento. A cultura geral estava errada? Não é isso. Não dá para chegar e dizer ao Judiciário: ó, solta aqui. Dá para soltar porque estamos oferecendo uma prestação de serviço que vai ser fiscalizada, um curso da capacitação, tornozeleira eletrônica. É necessário fornecer as condições corretas para o Judiciário analisar se realmente vai conceder liberdade. Acho que é essa a mudança de mentalidade

Fonte: extra.globo.com/noticias

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