Aproximidamente 25% dos professores que trabalham nas escolas de
educação básica do país não têm diploma de ensino superior. Eles
cursaram apenas até o ensino médio ou o antigo curso normal. Os dados
são do Censo Escolar de 2011, divulgado neste mês pelo Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep).
Apesar de ainda existir um enorme contingente de professores que não
passou pela universidade ¿ eram mais de 530 mil em 2011 ¿ o quadro
apresenta melhora. Em 2007, os profissionais de nível médio eram mais de
30% do total, segundo mostra o censo. Para o presidente da Confederação
Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Roberto Leão, os números
são mais um indicativo de que o magistério não é uma carreira atraente.
"Isso mostra que as pessoas estão indo lecionar como última opção de
carreira profissional. Poucos profissionais bem preparados se dedicam ao
magistério por vocação, uma vez que a carreira não aponta para uma boa
perspectiva de futuro. Os salários são baixo e as condições de trabalho,
ruins", explica.
A maior proporção de profissionais sem formação de nível superior está
na educação infantil. Nas salas de aula da creche e pré-escola, eles são
43,1% do total. Nos primeiros anos do ensino fundamental (1º ao 5º
ano), 31,8% não têm diploma universitário, percentual que cai para 15,8%
nos anos finais (6° ao 9º ano). No ensino médio, os profissionais sem
titulação são minoria: apenas 5,9%.
Para a presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de
Educação (Undime), Cleuza Repulho, é um "grande equívoco pedagógico"
colocar os professores menos preparados para atender as crianças mais
novas. "No mundo inteiro, é exatamente o contrário, quem trabalha na
primeira infância tem maior titulação. Quando o professor entra na rede,
vai para a educação infantil quase como que um 'castigo' porque ela não
é considerada importante. Mas, na verdade, se a criança começa bem sua
trajetória escolar, as coisas serão bem mais tranquilas lá na frente",
afirmou.
Segundo Cleuza, o nível de formação dos professores varia muito nas
redes de ensino do País. Enquanto em algumas cidades quase todos os
profissionais passaram pela universidade, em outras regiões o percentual
de professores que só têm nível médio é superior à média nacional.
"Temos, às vezes, uma concentração maior de professores sem titulação em
alguns locais do Brasil, como a Região Norte, por exemplo, onde as
distâncias e as dificuldades de acesso impedem que o professor melhore
sua formação", disse ela.
O resumo técnico do Censo Escolar também destaca que em 2010 havia mais
de 380 mil profissionais do magistério matriculados em cursos superiores
¿ metade deles estudava pedagogia. Isso seria um indicativo de que há
um esforço da categoria para aprimorar sua formação. Mas o presidente da
CNTE ainda considera "muito alto" o número de professores sem diploma
universitário, especialmente porque nos últimos anos foram ampliados os
estímulos para formação de professores nas instituições públicas e
privadas de ensino superior.
Uma das alternativas para quem já atua em sala de aula e quer aprimorar a
formação é a modalidade do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies)
para licenciaturas. O programa paga as mensalidades de um curso em
faculdade particular e, depois da formatura, o estudante pode abater sua
dívida se trabalhar em escolas da rede pública ¿ cada mês em serviço
abate 1% do valor.
"Os programas são oferecidos, mas as condições não são dadas aos
professores para que eles participem. O professor não tem, por exemplo, a
dispensa do trabalho nos dias em que ele precisa assistir às aulas. As
prefeituras e governos estaduais, que deveriam ser os primeiros
interessados, acabam não estimulando o aprimoramento", disse Roberto
Leão.
- Agência Brasil
O Brasil ainda tem mais de 730 mil potenciais alunos com idade entre 6 e 14 anos fora das salas de aula
A distância da escola e problemas familiares impedem Pedro de voltar a estudar há mais de um ano na cidade de Marabá
Pedro*,
8 anos, é um menino calado. Ele gostava de ir à escola, mas há mais de
um ano não frequenta uma sala de aula. O problema começou quando a
família chegou a Marabá, a 485 quilômetros da capital do Pará. Os pais
estão à procura de emprego e ficam pouco em casa. "A gente não leva ele
para a escola porque é longe. Meu marido tem problema de coração e não
pode ficar sozinho. Ele também não pode nos acompanhar porque passa
mal", conta a avó do garoto.
Infelizmente, a situação de Pedro
não é única. Mais de 730 mil crianças e jovens de 6 a 14 anos estão fora
da escola como ele. O número, calculado pelo Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (Ipea) com base na Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios (Pnad) de 2009, demonstra que, apesar de 97,7% da população
dessa faixa etária frequentar a escola, ainda estamos longe da
universalização.
Há um inegável avanço desde a década de 1990,
mas o percentual de 2,3% esconde um enorme contingente de meninos e
meninas. "Para que eles sejam incluídos no sistema público de ensino, é
fundamental saber quem são, onde moram e quais dificuldades enfrentam",
afirma Maria de Salete Silva, coordenadora de Educação do Fundo das
Nações Unidas para a Infância (Unicef) no Brasil.
Além de tornar
universal o acesso ao Ensino Fundamental (obrigatório desde a
Constituição de 1988), o país tem a meta de ampliar até 2016 o
atendimento aos que possuem de 4 a 16 anos. "Isso representa trazer para
os bancos escolares mais de 3,5 milhões de crianças e jovens", avalia
Eduardo Luiz Zen, pesquisador do Ipea. Ele calcula que, com base no
custo anual por aluno de 2009, o investimento para essa ampliação é de
aproximadamente 10 bilhões de reais, cerca de 0,3% do PIB nacional.
"É
bom comemorar que quase 98% estão na escola, mas não dá pra achar que
está resolvido", enfatiza Maria do Pilar Lacerda Almeida e Silva,
secretária de Educação Básica do Ministério da Educação (MEC).
Segundo o relatório Situação da Infância e da Adolescência Brasileira 2009 - O Direito de Aprender,
do Unicef, o universo fora da escola está principalmente na Amazônia
Legal, no semiárido e nas periferias de grandes centros. A dificuldade
afeta, sobretudo, crianças negras, de baixa renda, em situações de
vulnerabilidade e instabilidade familiar ou aquelas que possuem
necessidades educacionais especiais (NEEs).
NOVA ESCOLA foi a
Marabá, na Amazônia, a Crato, a 588 quilômetros de Fortaleza, no
semiárido, e às periferias de São Paulo e Teresina, com a ajuda dos
conselhos tutelares, para contar a história de Pedro e de outros quatro
jovens e crianças que, assim como ele, têm negado o direito à Educação.
Vulnerabilidade social
Felipe
chora ao contar sua história. Dependente de crack, vive entre centros
de reabilitação, abrigos e a casa da família, em São José do Egito
Felipe*,
11 anos, é dependente químico. Passou por centros de reabilitação,
abrigos e tem recaídas ao voltar para casa. Em maio, estava na
Associação Cristã Esperança e Vida (Acev), em Crato, sem estudar. Ele
diz não ter boas lembranças da escola e nunca conseguiu completar um ano
de estudos. Sem finalizar o tratamento na Acev, voltou para a casa dos
pais, em São José do Egito, a 404 quilômetros do Recife. Segundo o
Conselho Tutelar, continua fora da sala de aula e não foi aceito por
causa de sua agressividade.
A pesquisa mais recente sobre o que
leva os mais jovens a abrigos foi feita em 2004 pelo Ipea e mostra que,
assim como aconteceu com Felipe, a convivência com as drogas é uma das
causas. O relatório O Direito à Convivência Familiar e Comunitária: Os Abrigos para Crianças e Adolescentes no Brasil
aponta que entre os motivos para a saída de casa estão a carência de
recursos materiais (24,5%), o abandono por pais ou responsáveis (18,8%),
a violência doméstica (11,6%), a dependência química de pais ou
responsáveis (11,3%) e a vivência na rua (7%). Entre as 20 mil crianças e
jovens dos 589 abrigos analisados, a maior parte se enquadra na faixa
etária de 7 a 15 anos.
O drama das escolas sem banheiro
A realidade das instituições que não possuem sanitários na zona rural brasileira
Não basta apenas avaliar, avaliar, avaliar...
O Brasil entrou firme na onda das sondagens de larga
escala, mas se não houver impacto na sala de aula os alunos continuarão
à deriva
O movimento ainda é um tanto recente, mas se alastrou rapidamente
pelo país. Começou duas décadas atrás, quando o governo federal
implantou o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb). A
primeira edição ocorreu em 1990 e os testes não pararam mais.
Interessados em descobrir mais sobre as necessidades específicas de sua
rede, logo alguns estados criaram esquemas próprios de investigação.
Minas Gerais e Ceará saíram na frente, em 1992, e a onda só cresceu.
Hoje, 19 unidades federativas têm ou já tiveram algum tipo de avaliação
externa, assim como alguns municípios. Isso é bom, pois identificar
deficiências e carências é um passo fundamental para a melhoria do
ensino. A questão é que nem sempre o esforço produz o impacto desejado
em sala de aula.
A conclusão faz parte da pesquisa
A Avaliação Externa como Instrumento da Gestão Educacional,
uma iniciativa da Fundação Victor Civita (FVC). Coordenada por Nigel
Brooke, professor convidado da Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG), ela demonstra a adesão contundente do país a esse tipo de
política pública e ajuda a identificar oito mitos sobre o tema, como o
de que "as avaliações são usadas para o replanejamento da escola e da
rede" (leia quais são todos eles no quadro).
O estudo mostra que as Secretarias usam as avaliações de várias
maneiras, como para premiar escolas e bonificar professores. Quando o
uso induz à competição, especialistas apontam riscos, entre os quais o
de pôr no mesmo balaio instituições que não são comparáveis e o de
estimular fraudes.
A maioria das avaliações traz embutida a finalidade de identificar
falhas de percurso para traçar estratégias capazes de melhorar a
qualidade do ensino. Mas isso, frequentemente, fica só na intenção. Em
primeiro lugar porque ocorrem tropeços na implementação. Um deles: o
Brasil não tem um currículo único, detalhado e obrigatório - e, não
raro, as redes adotam um sistema próprio de verificação sem antes
elaborar seu documento oficial. O resultado é uma confusão no meio de
campo: se os mesmos conteúdos não são ensinados a todos os alunos, como
checar a aprendizagem deles em larga escala?
Quando a avaliação é feita no fim do primeiro e do segundo segmentos do
Ensino Fundamental e do Médio, essa dissonância é discreta porque há
certo consenso sobre o que os estudantes devem saber ao concluir essas
fases. Se ela for realizada no meio das etapas, no entanto, as
discrepâncias entre o que já foi ensinado e o que é testado podem ser
mais incisivas. Isso porque não há concordância entre os educadores
sobre a distribuição dos elementos curriculares pelos anos e, assim,
cada escola trabalha com temas diferentes.
Outro ponto a destacar: persiste na opinião pública e entre alguns
gestores expectativa equivocada de que a simples divulgação de
rankings leva
à mudança da prática. Um desempenho ruim dos alunos pode até servir
como alerta, mas o contra -ataque não é automático. Em geral, docentes e
gestores não compreendem o que significam os números referentes à sua
rede ou escola - e muito menos conseguem decidir, sozinhos, como
reverter o quadro.
Para garantir o aperfeiçoamento constante das práticas em sala de aula, é
necessário que a rede ofereça um trabalho de esclarecimento sobre os
resultados das sondagens e, mais do que isso, tenha uma política
consistente e permanente de formação continuada em serviço para os
gestores e os professores. Somente atribuir a culpa por rendimentos
baixos aos educadores não é frutífero nem justo. Quanto mais dominarem
os conteúdos e as didáticas referentes às disciplinas que lecionam,
maiores são as chances de avanço dos alunos. Mas outros fatores entram
na equação. Contam o tamanho da turma (quanto maior, pior), o tipo de
material didático disponível, a existência de um currículo, o fato de a
escola estar ou não em área de vulnerabilidade e o perfil do alunado -
já que a bagagem trazida de casa interfere na aprendizagem.
Por fim, ainda que os processos de avaliação externa possam se
sofisticar, a ponto de permitir que a cadeia medição-reflexão-ação
sempre se complete, é preciso ter cautela para não reduzir o conceito de
qualidade da Educação Básica. Afinal, ter proficiência em
disciplinas-chave não é tudo o que se espera dos estudantes formados. A
concepção de Educação é ampla - e as metas do país devem ser cada vez
mais ambiciosas.