A maioria das pessoas costuma tomar um drinque ou outro em ocasiões
sociais. Mas entre 5% e 10% da população não sabem a hora de parar e,
independentemente da situação, sentem uma vontade irresistível de beber.
Embora ainda não se saibam as causas primárias do alcoolismo, pela
primeira vez pesquisadores conseguiram mostrar que o cérebro dos
alcoolistas se comporta de uma maneira diferente, proporcionando uma
sensação de bem-estar mais intensa e prolongada.
Em qualquer dosagem maior que 0,02g por 100ml no sangue — equivalente
a meia lata de cerveja —, o álcool provoca reações no sistema nervoso
central (veja quadro). No cérebro, a bebida libera neurotransmissores na
região relacionada à recompensa, trazendo sensações agradáveis. Agora,
uma equipe de neurocientistas do Instituto de Pesquisas Ernest Gallo, da
Universidade da Califórnia, descobriu como isso acontece e a diferença
na forma como o etanol se comporta no cérebro de pessoas que bebem
socialmente e daquelas que abusam do álcool.
A principal autora da pesquisa, Jennifer Mitchell, explica que, na
superfície dos neurônios, existem grandes moléculas chamadas kappa,
delta e mu, que funcionam como receptoras de opioide. “Ópio vem do grego
e quer dizer suco de papoula, em referência à planta da qual se extrai
esse narcótico”, ensina. Mas os opioides não estão presentes apenas nas
flores. “O próprio corpo produz substâncias com mecanismo de ação
semelhante. Um exemplo é a endorfina”, diz.
Quando uma pessoa bebe, os receptores de opioides liberam endorfina
em um agrupamento de neurônios chamado nucleus accumbens, que faz parte
do sistema de recompensa do cérebro, fundamental para atribuir prazer a
atividades como se alimentar — caso comer não fosse gostoso, os
indivíduos morreriam de fome. Usando o PET scan, exame de imagens
altamente preciso, os pesquisadores puderam observar a atividade
elétrica durante esse processo.
Mitchell e Howard L. Fields, coautor do estudo, injetaram nos
voluntários uma substância que aponta, no cérebro, as regiões receptoras
de opioides, incluindo a endorfina. Cada um dos participantes, então,
tomou um drinque. O exame mostrou que o nucleus accumbens ficava
altamente ativado nesse momento, tanto nos alcoolistas quanto no grupo
de controle, e todos eles relataram a sensação de prazer desencadeada.
A diferença ocorreu quando os pesquisadores observaram o
comportamento dos neurônios em outra região que faz parte do sistema de
recompensa, o córtex pré-frontal, ligado às funções cognitivas
superiores. Enquanto, nos indivíduos que bebem socialmente, não houve
alterações na liberação de endorfina nessa região; no cérebro dos
alcoolistas, os cientistas constataram a atividade intensa do receptor
mu. “Basicamente, os neurônios dos dependentes de álcool são diferentes.
No cérebro deles, a recepção de opioides e, consequentemente, a
liberação da endorfina, ocorre de maneira mais intensa. É essa sensação
em seu sistema de recompensa que os fazem querer beber mais”, diz Fields
(leia entrevista).
Segundo os neurocientistas, essa é a primeira vez que os padrões são
observados em seres humanos. “De uma maneira teórica, já foi postulado
diversas vezes que o alcoolismo estaria relacionado à liberação de
endorfina. Em estudos com animais, comprovamos o mesmo. Porém, nunca
havíamos visualizado isso ocorrendo no cérebro das pessoas”, afirma
Mitchell.
O estudo, publicado hoje na revista Science Translational Medicine,
abre perspectivas para bloqueadores do receptor mu no córtex
pré-frontal. Os medicamentos atuais bloqueiam indiscriminadamente mais
de um receptor, fazendo com que as pessoas se sintam apáticas e com
muitos efeitos colaterais. “Agora, porém, identificamos o receptor exato
que precisa ser bloqueado”, explica a cientista.
Para Sunny Hyucksun Shin, professora assistente de comportamento
humano na Universidade de Boston, pesquisas assim são importantes, mas
ela ressalta que fatores sociais não podem ser desprezados. Em um estudo
com adolescentes entre 12 e 21 anos com histórico de abuso sexual, o
risco de beber em binge (consumir álcool de vez em quando, mas em
grandes quantidades) é o dobro, comparando-se com jovens que não
sofreram qualquer tipo de ataque. “Também precisamos investigar os
fatores sociais que estão por trás desse comportamento”, alerta.
Do Correio Braziliense
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